"Os Professores, por Valter Hugo Mãe!
Achei por muito tempo que ia ser professor. Tinha pensado em livros a vida
inteira, era-me imperiosa a dedicação a aprender e não guardava dúvidas acerca
da importância de ensinar. Lembrava-me de alguns professores como se fossem
família ou amores proibidos. (...)
A escola, como mundo completo, podia ser esse lugar perfeito de liberdade
intelectual, de liberdade superior, onde cada indivíduo se vota a encontrar o
seu mais genuíno, honesto, caminho. Os professores são quem ainda pode, por
delicado e precioso ofício, tornar-se o caminho das pedras na porcaria do mundo
em que o mundo se tem vindo a tornar.(...)
Sei perfeitamente que não tenho pedagogia, não estudei didática, não sou
senão um tipo intuitivo e atabalhoado. Mas sei, e disso não tenho dúvida, que há
quem saiba transmitir conhecimentos e que transmitir conhecimentos é como criar
de novo aquele que os recebe.
Os alunos nascem diante dos professores, uma e outra vez. Surgem de dentro
de si mesmos a partir do entusiasmo e das palavras dos professores que os
transformam em melhores versões. Quantas vezes me senti outro depois de uma
aula brilhante. Punha-me a caminho de casa como se tivesses crescido um palmo
inteiro durante cinquenta minutos. Como se fosse muito mais gente. Cheio de um
orgulho comovido por haver tantos assuntos incríveis para se discutir e por
merecer que alguém os discutisse comigo.(...)
E porque me parece que perseguir e tomar os professores como má gente é
destruir a nossa própria casa. Os professores são extensões óbvias dos pais,
dos encarregados pela educação de algum miúdo, e massacrá-los é como pedir que
não sejam capazes de cuidar da maravilha que é a meninice dos nossos miúdos,
que é pior do que nos arrancarem telhas da casa, é pior do que perder a casa, é
pior do que comer apenas sopa todos os dias.
Estragar os nossos miúdos é o fim do mundo. Estragar os professores, e as
escolas, que são fundamentais para melhorarem os nossos miúdos, é o fim do
mundo. Nas escolas reside a esperança toda de que, um dia, o mundo seja um
condomínio de gente bem formada, apaziguada com a sua condição mortal mas
esforçada para se transcender no alcance da felicidade. E a felicidade, disso
já sabemos todos, não é individual. É obrigatoriamente uma conquista para um
coletivo. Porque sozinhos por natureza andam os destituídos de afeto.
As escolas não podem ser transformadas em lugares de guerra. Os professores
não podem ser reduzidos a burocratas e não são elásticos. Não é indiferente
ensinar vinte ou trinta pessoas ao mesmo tempo. Os alunos não podem abdicar da
maravilha nem do entusiasmo do conhecimento. E um país que forma os seus
cidadãos e depois os exporta sem piedade e por qualquer preço é um país que
enlouqueceu. Um país que não se ocupa com a delicada tarefa de educar, não
serve para nada. Está a suicidar-se. Odeia e odeia-se. "
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