Não se importam que vos trate por amigos, certo? É que não vejo
melhor palavra. Com quatro filhos em idade escolar, sinto que são uma espécie
de companheiros de viagem. Escrevo-vos porque falar destes assuntos naquelas
reuniões de pais é complicado – vocês sabem, é mais ou menos como nas reuniões
de condóminos: muitos pais angustiados e impacientes e muitas perguntas idiotas
sobre assuntos que não importam nada.
O
essencial parece que fica por dizer.
E há tanto para falarmos, caros
professores, no arranque de mais um ano letivo, este marco definitivo nas
rotinas de tantas famílias portuguesas como a minha. Espero encontrar-vos bem,
carregados de energia para mais uma espécie de missão impossível – tenho a
noção que é quase isso que se pede aos professores nos dias de hoje. Bem sei
que muitos pais esperam que vocês façam todo o trabalho por eles: que ensinem,
que eduquem, que sejam exemplos, que inspirem, que mantenham a serenidade em
toda e qualquer situação, e que ainda por cima se contentem felizes com pouco
como recompensa. Não é fácil corresponder a tanta expectativa, eu sei. Mas
alguns de vós dão o vosso melhor e quase que chegam lá. Tiro-vos, honestamente,
o chapéu.
Num ponto todos concordam – os professores
moldam vidas e são eles o coração do sistema de ensino. Um bom professor
guardamo-lo para a vida, marca para sempre. Mas não se deixem vergar pelo peso
da responsabilidade. Não formalizem demasiado as relações. Tentem não perder a
chama e a paixão dos primeiros dias, mantenham aquela boa dose de instinto na
gestão de uma sala de aula. Usem e abusem do humor, sejam empáticos, sejam
performers – era Steinbeck que dizia que um professor é um grande artista. A
sala de aula é o vosso palco. Não se deixem formatar. Os melhores professores
que tive foram sempre aqueles que fugiam do padrão.
Cada miúdo é um miúdo, não há
fórmulas rígidas e infalíveis. Se tivesse de vos pedir uma só coisa, seria que
se dedicassem a conhecer realmente as crianças que têm pela frente. O que lhes
faz brilhar os olhos, o que detestam e o que lhes faz sono. Oiçam-nos: eles são
mesmo seres incríveis. Acreditem, não será tempo perdido – a partir daí
saberão como os agarrar.
Preocupem-se mais em estimular a
curiosidade do que em debitar a matéria do manual. Aqui que ninguém nos ouve,
quem me dera que pudessem esquecer essa rigidez das metas curriculares e
algumas das coisas que se obrigam os miúdos a saber hoje em dia. Expliquem-lhes
porque aqueles assuntos importam, e eles quererão conhecê-los melhor. Empinar
matéria, em pleno
século XXI, é
absolutamente anacrónico. Os factos desgarrados são dados adquiridos: estão aí
à distância de uma pesquisa no Google. Mais do que lhes dizer o que aconteceu,
expliquem-lhes porque aconteceu assim. Façam-nos pensar, despertem-lhes a
curiosidade, incentivem-nos a partir à aventura. Ensinar é a arte da
assistência à descoberta.
Valorizem outras coisas que não
as notas – venho a crer que elas importam afinal tão pouco na vida. Mais do que
seres cheios de conhecimentos acumulados, ajudem a formar boas pessoas e
adultos interessantes. Ensinem-lhes os valores da partilha, generosidade e
espírito de equipa. Quem não ajuda um colega jamais deveria ter lugar num
quadro de honra.
E, por favor, não menorizem os
miúdos – dêem-lhes máxima liberdade acompanhada de máxima responsabilidade.
Eles têm desde cedo que perceber que a escola é o seu trabalho, não o dos pais.
Imponham regras e limites claros desde o primeiro dia, e expliquem-lhes as
consequências. Já agora, expliquem isso também aos pais, que cada vez mais
tratam as crianças como flores de estufa no deserto para compensar a sua
crónica ausência.
Peço-vos,
é verdade, uma combinação de talentos e competências que parece quase de
alquimia. Mas isto não é mística: é bem possível e há quem o faça todos os dias
por essas escolas do País. Bem-hajam.
Sem comentários:
Enviar um comentário