Pois eu proponho que
façam greve num domingo para não incomodar ninguém (nem os alunos, nem os pais,
nem os patrões dos pais que têm de ficar em casa com os meninos) e, sobretudo,
não perturbar o sono do sr. Ministro e dos outros...
Os três pastorinhos e a greve dos
professores
in
Público, 5 de Junho de 2013
Santana
Castilho *
Os três pastorinhos e a greve dos
professores
Depois
do presidente Cavaco, que não é palhaço como sugeriu Miguel Sousa Tavares, ter
atribuído à Nossa Senhora de Fátima a inspiração da trindade que nos tutela
para fechar a sétima avaliação, vieram três pastorinhos (Marques Mendes, Portas
e Crato) pregar no altar do cinismo, a propósito da greve dos professores: “
… marcar uma greve para coincidir com o tempo dos exames nacionais … não é um
direito … é quase criminoso … é uma falta de respeito … ” (Marques
Mendes); “… se as greves forem marcadas para os dias dos exames,
prejudicam o esforço dos alunos, inquietam as famílias …” (Portas); “…
lamentamos que essa greve tenha sido declarada de forma a potencialmente criar
problemas aos nossos jovens, na altura dos exames …” (Crato). Marques
Mendes “redunda” quando afirma que a greve é um direito constitucional. Mas
depois qualifica-a de abuso e falta de respeito. Que propõe? Que se ressuscite
o papel selado para que Mário Nogueira e Dias da Silva requeiram ao amanuense
Passos a indicação da data que mais convém à troika? Conhecerá Portas greves
com cores de arco-íris, acetinadas, que sejam cómodas para todos? Que
pretenderia Crato? Que os professores marcassem a greve às aulas que estão a
terminar? Ou preferia o 10 de Junho? A candura destes pastorinhos comove-me.
Sem jeito para sacristão, chega-me a decência mínima para lhes explicar o
óbvio, isto é, que os professores, humilhados como nenhuma outra classe
profissional nos últimos anos, decidiram, finalmente, dizer que não aceitam
mais a desvalorização da dignidade do seu trabalho.
·Porque
se sentem governados por déspotas de falas mansas, que instituíram
clandestinamente um estado de excepção.
·Porque,
conjuntamente com os demais funcionários públicos, se sentem alvo da raiva do
Governo, coisas descartáveis e manipuláveis, joguetes no fomento das invejas
sociais que a fome e o desemprego propiciam.
·Porque
têm mais que legítimo receio quanto à sobrevivência do ensino público.
·Porque
viram, na prática, os quadros de nomeação definitiva pulverizados pelo
arbítrio.
·Porque
rejeitam a vulgarização da precariedade como forma de esmagar salários e
promover condições laborais degradantes.
·Porque
foram expedientes perversos de reorganização curricular, de aumento do número
de alunos por turma e de cálculo de trabalho semanal que geraram os propalados
horários-zero, que não a diminuição da natalidade, suficientemente compensada
pelo alargamento da escolaridade obrigatória e pela diminuição da taxa de
abandono escolar.
·Porque
a dignidade que reivindicam para si próprios é a mesma que reclamam para todos
os portugueses que trabalham, sejam eles públicos ou privados.
·Porque
sabem que a tragédia presente de professores despedidos será o desastre futuro
dos estudantes e do país.
·Porque
a disputa por que agora se expõem defende a sociedade civilizada, as famílias e
os jovens.
Rejeito a modéstia falsa para afirmar
que poucos como eu terão acompanhado o evoluir das políticas de educação dos
últimos tempos. Outorgo-me por isso autoridade para afirmar que é irrecuperável
a desarmonia entre Governo e professores. A confiança, esse valor supremo da
convivência entre a sociedade civil e o Estado, foi definitivamente ferido de
morte quando a incultura, a falta de maturidade política e o fundamentalismo
ideológico de Passos, Gaspar e Crato trouxeram os problemas para o campo da
agressão selvagem. Estes três agentes da barbárie financeira vigente
confundiram a legitimidade eleitoral, que o PSD ganhou nas urnas, com a
legitimidade para exercer o poder, que o Governo perdeu quando escolheu servir
estrangeiros e renegar os portugueses e a sua Constituição. Com muitos
acidentes de percurso, é certo, a Nação cimentada pela gestão solidária de
princípios e valores de Abril está a ser posta em causa por garotos lampeiros,
apostados em recuperar castas e servidões. Alguém lhes tem que dizer que a
educação, além de direito fundamental, é instrumento de exercício de soberania.
Alguém lhes tem que dizer que princípios que o Ocidente levou séculos a
desenvolver não se podem dissolver na gestão incompetente do orçamento. Alguém
lhes tem que dizer que o desemprego e a fome não são estigmas constitucionais.
Que sejam os professores, que no passado se souberam entender por coisas bem
menores do que aquelas que hoje os ameaçam, esse alguém. Alguém suficientemente
clarividente para vencer medos e comodismos, relevar disputas faccionárias
recentes, pôr ombro a ombro contratados com “efectivos”, velhos com novos, os
“a despedir” com os já despedidos. Alguém que defenda o direito a pensar a mais
bela profissão do mundo sem as baias da ignorância. Alguém que diga não à
transformação da educação em negócio. Alguém que recuse transferir para
estranhos aquilo que nos pertence: a responsabilidade pelo ensino dos nossos
alunos.
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