FERNANDO SAVATER       
         FERNANDOSAVATER 
           “A ESCOLA NAO É DEMOCRÁTICA. NEM DEVE SÊ-LO. A ESCOLA É A PREPARAÇÃO PARA A DEMOCRACIA”         
           Em Espanha é uma voz sensata, um líder de opinião que muitos inspira. Esteve em Portugal para falar de educação e da necessidade de uma revolução profunda 
Entrevista Cristina Margato 
           Em Espanha é quase uma figura pop. Não só pela sua atividade política no ¡Basta Ya! (movimento de cidadãos contra o terrorismo), como pelas suas crónicas no “El País” desde a fundação do jornal. Foi também fundador do partido “Unión Progreso y Democracia”. A entrevista comprovou-o. Fomos várias vezes interrompidos por turistas espanhóis que estavam  decididos a não voltar para casa sem uma fotografia ao lado dele. Fernando  Savater (San Sebastián, 1947) tem inúmeros livros, alguns mais polémicos do  que outros, e é muitas vezes apresentado como filósofo. Ele, porém, prefere  apresentar-se como Professor de Ética: um educador, portanto, que esteve em  outubro em Lisboa e Faro, a convite da Fundação Francisco Manuel dos Santos, para  falar nasConferências da Educação que o professor Nuno Crato organiza.         
           Fala na necessidade de uma revolução, que deve começar pela educação. Em concreto, o que tem de mudar?  Defendo a criação deuma disciplina de Educação Cívica que introduza a capacidade  de agir em democracia, Deve haver uma preparação que forme cidadãos  capazes de utilizar os mecanismos da democracia. Não se pode esperar que a  televisão faça isso. 
           Em Portugal, o ensino público, prevê, desde o básico, a  disciplina opcional de Religião e Moral. Nalguns casos, o programa esta orientado para cidadania, embora enraizado nos valores  católicos.
           O que pensa disso? Em Espanha, isso  aconteceu durante a ditadura. Mas era obrigatório. Com a democracia passaram a existir duas  disciplinas: Religião ou Moral/Ética. O meu livro “Ética para um Jovem” (Dom Quixote,  2005) pretendia servir como alternativa à religião. A ética é para  todos. Não é exclusiva dos religiosos. Logo, essa opção parece-me um grande  equívoco. Deixa de fora os laicos e as restantes religiões. Como a  sociedade democrática deve ser laica, não há razão que justifique a presença da  religião católica na escola pública. A religião é um assunto privado, que deve  ficar na sinagoga, na paróquia, na mesquita. 
           Deveria extinguir-se a disciplina, mesmo opcional? Sim. Sem dúvida. Poderia existir uma disciplina de Ética mais filosófica e uma  de Ética Cívica. 
A partir de que idade? Tudo se pode explicar  desde que a linguagem seja adequada à idade. Aos seis anos já pode ter uma disciplina  assim. 
           Se a escola estivesse organizada em ambiente democrático, os estudantes não poderiam aprender a cidadania pelo exemplo e prática? A escola não é democrática. Nem deve  sê-lo. A escola é a preparação para a democracia. Uma aula é hierárquica. O professor está  sempre acima dos alunos. A escola deve estar a preparar os jovens para ser  cidadãos. A escola não tem os mecanismos da democracia nem deve ter. 
           O modelo atual também já não é ditatorial. A escola vive em  estado de crise. A escola sempre viveu em crise. Os  escritores do século XVIII já falavam nessa crise. A escola anda sempre atrás da sociedade,  na medida em que os professores foram educados no passado e tem de educar para o  futuro. Essa crise é a da sociedade. As pessoas que transmitem  conhecimento, e preparam o futuro, vêm do passado, e eles próprios estão a lutar para se  colocarem à altura da sociedade em que vivem. 
           Em Portugal, os professores já perderam as suas defesas. Em Espanha, e noutros países europeus, aconteceu o mesmo. Há uma  teoria, uma tendência, que iguala os professores aos alunos e que faz com  que os professores percam o respeito dos alunos. Convencionou-se que o professor  tem de inspirar respeito dentro da aula. Ora, se o professor tem tanta  autoridade como o aluno a aula não funciona. 
           Fez o prefácio do “Panfleto Anti-Pedagógico” de Ricardo Moreno Castillo, onde ele defende um modelo de professor mais  autoritário e, logo, mais antigo. Moreno Castillo defende um  modelo de professor que seja possível dentro de uma sala de aula. As aulas não são uma  reunião de amigos nem um recreio. São um lugar onde se transmite  conhecimento. Toda a gente aceita e entende que um treinador de futebol dê ordens  aos seus jogadores. Já o mesmo modelo numa escola parece que começou a ser  (erradamente) entendido como algo escandaloso.
           Sublinha a crescente influência maléfica dos ignorantes no  rumo da democracia. O problema é que numa  democracia todos somos políticos. Não há uns especialistas que mandam e outros que são guiados.  Logo, todos temos de ter algum conhecimento para poder intervir na sociedade. Se a  maioria é completamente ignorante não pode argumentar nem entender a  argumentação. Há que evitar essa situação e aumentar o nível médio de  conhecimento para que todos possam intervir com competência. 
           E não cair na facilidade do discurso demagógico... Um ignorante segue sempre o que é prometedor. As pessoas que não têm  conhecimentos sobre nutrição preferirão sempre quilos de alimentos mais saborosos,  embora com efeitos nocivos para a sua saúde. Se der a uma criança uma  sopa nutritiva ou um prato de doces, ele escolherá o prato de doces, porque não  sabe que lhe faz mal. Isso também acontece à escala dos adultos. Se um político  promete o céu e a terra, de uma forma inverosímil mas atrativa, e outro exige  sacrifícios de forma realista, para conseguir um país mais forte para todos, os  ignorantes obviamente preferirão o primeiro. 
           Tem alguma ideia de qual é a representação percentual dessa massa de ignorantes numas eleições? Não  sei determinar. Mas o sintoma mais alarmante dessa ignorância pode ser medido nas  televisões. Em Espanha, os programas de debate discutem os amores de fulana e  beltrano. Há uma mulher em Espanha que é um fenómeno mediático. É famosa  apenas pela sua ignorância cósmica e por dizer os maiores disparates. No  entanto, uma sondagem feita numa rádio determinou que muitos espanhóis  votariam nela para primeira-ministra. Na sequência disto, a rádio ligou-me para  opinar sobre o assunto. “Vocês acreditariam que os mesmos espanhóis votariam  nela para treinadora da seleção nacional?”, perguntei. E a resposta que  obtive foi: “Não, claro que não! O lugar de treinador da seleção é um posto  demasiado sério!” Ou seja, quando falamos de coisas sérias falamos de futebol, e  quando falamos de política tudo é possível. Este tipo de degradação do discurso é  muito grave; e esse é o problema. 
Também diz muito dos políticos ou da perceção dos políticos.Os políticos somos todos nós. Se os políticos que ocupam os  cargos são incompetentes, somos nós que os elegemos, e fomos nós, que  apesar de acreditarmos que podemos ser melhores do que eles não nos  oferecemos para o lugar deles. Os políticos não são seres de outro planeta que  desceram à terra para nos dificultar a vida.
                                                
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