VALENTE SUSTO
Hoje, resolvi pregar um valente susto a uma turma
minha, do 8.º ano, um grupo bem recheado de bons alunos. A propósito do próximo
teste de avaliação e da avaliação em geral, resolvi dizer-lhes o seguinte:
— Uma vez que estamos a falar da vossa avaliação, tenho
a anunciar-vos que tomei uma decisão definitiva relativamente ao final dos dois
primeiros períodos e ao final do ano letivo.
Os olhares dos catraios esbugalharam-se de genuína
expectativa. E continuei.
— Após uma longa reflexão, decidi que, caso tenhais
aproveitamento que o justifique, apenas darei, no máximo, um cinco e seis
quatros. Já quanto ao número de níveis três e de níveis dois, não haverá
limites. Em compensação, também não conto atribuir o nível um a ninguém.
A sala escureceu subitamente, como se uma tempestade
se estivesse a formar a uma velocidade vertiginosa. E a saraivada não se fez
esperar. Após um brevíssimo instante em que quase todos os olhares se
entrecruzaram, as interrogações e as exclamações começaram a cair daquele céu
cerrado aos trambolhões:
— Não faz sentido!
— Não faz sentido nenhum!
— Não entendo nada!
— Isso é possível?
— É claro que sim — respondi, com ar grave e sério. —
Se não fosse possível, eu não tomaria tal decisão, não achais?
— E se houver, por exemplo, quatro cincos e dez
quatros? ¬— perguntou um espertinho.
— É muito fácil. O melhor cinco terá cinco, os três
restantes passam para o nível quatro, ocupando três dos seis quatros
disponíveis. Nesse caso, selecionarei os três melhores quatros para completar o
limite por mim definido (de seis). Os restantes quatros passarão todos para o
nível três. É fácil de perceber, não é?
Caiu o Carmo e a Trindade.
— Mas isso é muito injusto, setor!
— Não é correto!
— Isso não pode ser legal!
— Então, se eu tiver sempre nível quatro em todas a
avaliações, posso ter um três no final?
— Claro, à luz destas novas regras, é assim mesmo —
esclareci, lançando mais uma acha para a fogueira.
— E o setor pode fazer isso? Está no Regulamento
Interno?
Achei que já chegava de borrasca e resolvi então
serenar os ventos e o granizo.
— A ser verdade o que acabei de vos dizer, seria um
absurdo total e uma tremenda injustiça. Se fizesse tal coisa, não seria digno
de estar aqui diante de vós, na qualidade em que estou. Gostei, por isso, de
ver o vosso espanto, o vosso inconformismo e a vossa indignação! Gostei mesmo
muito! Mas devo dizer-vos o seguinte: a avaliação dos professores é assim
mesmo, sem pôr nem tirar, há muito tempo. É um absurdo e uma tremenda
injustiça, mas é verdade. Aquilo que vós jamais admitiríeis está a ser imposto
aos professores. Portanto, se ouvirdes dizer que os professores estão em luta,
que estão a fazer greve, não é para acumularem regalias e mais regalias, é para
se oporem a esta e a muitas outras injustiças.
Os olhares de revolta deram então lugar a olhares de
incredulidade e — devo dizer, em abono da verdade — de pena, de compaixão até.
Subitamente, parecia que os catraios tinham acabado de descobrir um mundo cuja
existência julgavam impossível. Afinal, os seus setores andam a suportar
maldades inadmissíveis, e, apesar de tudo, continuam a ser capazes de ensinar,
diária e generosamente, aquilo que eles próprios não têm; apesar de mergulhados
num poço de injustiças, continuam, incansáveis e esperançosos, a semear
justiças e equidades neste mundo.
Fez-se silêncio total naquele início de aula. E foi
nesse silêncio que, de seguida, semeei a revisão da formação dos tempos
compostos. Foi uma boa aula, acho eu!
Luís Costa
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