Se o objectivo do ME era vencer-nos pelo cansaço, quase conseguiu. Perante tal fenómeno kafkiano na área da Educação, que é o processo de negociação entre os Representantes dos Professores e o MEC, a minha motivação, agora, é falar-vos, ainda que de modo breve, da tão “nobre” arte de negociar e de alguns mecanismos psicológicos que lhe são inerentes. Mecanismos tão básicos, mas que de tão mascarados parecem jogadas inteligentes. Analisando o processo vamos dar mais atenção à forma (como decorreu) do que ao conteúdo.
Na arte de negociar existem os representantes dos que estão directamente interessados na chamada “negociação”, e aqueles que estão em representação própria a negociar directamente com o outro lado. Se o negócio for feito de forma inteligente por ambas as partes nenhuma destas sairá lesada.
Quando falo em forma inteligente de negociar, falo numa vontade férrea em defender os direitos de ambos os lados, quando há a preocupação em que nenhum dos lados saia prejudicado. Ou seja, quando feito o negócio, ambos os lados saem a ganhar. Só este tipo de negócio representa um bom investimento para ambas as partes, a curto, médio e longo prazo. O resto são jogos pouco transparentes com manobras que trazem sempre água no bico.
Em primeiro lugar, qualquer arte de bem negociar obriga a um conjunto de regras estabelecidas, logo no início, por ambas as partes. Um bom negócio implica sempre um contrato sério mesmo que seja apenas verbal, vulgo, “contrato de boca”. Todos sabemos que mudar as regras a meio da negociação dá direito a que uma das partes desista do negócio, ou então, pode até implicar acções judiciais. Felizmente, nas sociedades onde existe a separação de poderes, em princípio, os negócios são sempre honrados, isto é, beneficiam ambas as partes. Porque se uma das partes decide não cumprir as regras, um outro poder intervém de modo a instaurar a ordem.
Como podemos ver, mudar as regras a meio do concurso de professores ao jeito do “quero, posso e mando”, pode até fazer o Montesquieu levantar-se da tumba. Há redefinições de regras que, quando feitas em determinadas circunstâncias, podem ser contra a lei. O contexto é tudo. Ignorar o contexto específico numa redefinição de regras é o mesmo que pôr uma das partes interessadas a jogar à “cabra-cega” contra a sua vontade. Em certos contextos uma redefinição de regras pode até ser essencial para equilibrar os pratos da balança, mas não é o caso. O pensamento racional dita que mudar as regras a meio de determinada conjuntura só servirá o propósito de aperfeiçoar a mesma. O contrário é uma injustiça.
Em segundo lugar, e inerente a qualquer arte de negociar, há as chamadas capacidades psicológicas e éticas que ambas as partes têm de possuir para levarem os seus intentos a bom porto. Num negócio, quando uma das partes precisa de representantes e quando estes defendem de forma inequívoca os direitos de quem representam, então o negócio é uma mais-valia. Quando se dá o oposto, e os representantes não têm força negocial e aceitam propostas (os chamados bluffs) que vão contra a lógica da razão, então os direitos de quem defendem passam a estar em risco. Alguns deixam até de existir.
Nem todos, mas alguns dos que negoceiam, seja de que lado for, usam o chamado “enredo” do vendedor que está mais preocupado com o seu próprio lucro do que em servir bem o cliente ou trabalhador. Esquecem-se que a preocupação com o lucro e não com o cliente pode destruir um negócio.
Há também os que negoceiam e fazem um constante bluff do princípio ao fim. Criam uma espécie de encenação para tornar o negócio difícil e ilusoriamente vantajoso para a outra parte. A escondida intenção já desde o início que está planeada. Porém, ao longo do negócio vão sendo criadas manobras de diversão várias para poderem vender por caro algo, que, desde o início, foi sempre barato, criando cansaço e logro no outro lado, levando-o a aceitar qualquer proposta.
Inicialmente há uma propositada lógica de exigências que, morosamente, passará a uma lógica ilusória de cedência de exigências, para que a outra parte pense que está a ter o controle do negócio. Esta é a manobra psicológica usada principalmente pelos vendedores e negociantes nas feiras e nos mercados árabes (e não só), que incrementam o preço da quinquilharia para negociarem com os compradores e para estes, posteriormente, pensarem que estão a levar uma coisa de grande valor ao preço de uma bagatela por causa da (aparente) generosidade do negociador. Na verdade, o comprador acaba por pagar um preço pouco honesto e, sem se aperceber, está a adquirir uma peça com defeito. Ou seja, sai prejudicado no negócio, por causa da sua falta de atenção e por deixar-se manipular pela outra parte, ou por não ter outra alternativa de negócio para poder adquirir o produto em que está interessado.
Este tipo de estratégia é usada para levar a outra parte a aceitar aquilo que, à partida, não aceitaria se lhe fosse proposto logo no início. Apresentar determinadas condições (abusivas) logo no início de um negócio é uma manobra de diversão para cansar a outra parte e levá-la a aceitar a proposta final, pensando que a proposta final é fruto de muitas cedências. Quando na realidade, a negociação já estava feita de modo a beneficiar apenas um dos lados.
Eu disse que não ia falar de conteúdos, mas isto só fica claro nomeando algumas questões concretas. A dilemática 2ª prioridade: foi proposta uma grande e desajustada alteração a esta prioridade logo no início, para que não houvesse exigências da parte dos Professores relativamente a um menor afunilamento no acesso a esta prioridade. Ou até, aquilo que a maior parte de nós defende, a fusão da 1ª com a 2ª prioridade e a ordenação ser feita pela graduação. A fasquia, que nem devia existir, foi colocada a certa altura, apenas para nos fazerem perder tempo a pedir-lhes que a baixassem.
A triste estória da negociação no que concerne à 2ª prioridade (no concurso externo), estava desde o início talhada para ficar na mesma ou então, para aumentarem o número de dias e diminuírem o tempo de serviço, dificultando ainda mais o acesso à mesma. Só nos foram cansar. Tudo anda à volta do capital. É o perverso capital que decide tudo. Que implicações surgiriam se o MEC acabasse com as duas prioridades que existem para os professores que prestam serviço no ensino público? Porque é que acham que o ME não funde a 1ª com a 2ª prioridade? Será um capricho? Se seria mais justo e mais racional porque é que não o fazem?
Outra questão de conteúdo: o princípio da
igualdade (previsto na Constituição da República Portuguesa) não é respeitado
pelo ME, já que há uma diferença entre o critério para vinculação através da
norma travão e o critério para a vinculação extraordinária, sendo que, nesta
última, os professores com o mínimo de 12 anos de serviço têm de estar, este
ano, com horário completo e anual. Ou seja, professores com 12 ou
mais anos de serviço, por terem menos duas horas (por semana) no horário, não
vinculam e vão ser ultrapassados por outros com metade do tempo de serviço. Se a anterior proposta era má, esta ainda é pior.A lista de graduação devia ser a única norma para vincular, era o
mais justo para todos. Qual é a parte que o ME não percebeu que todas estas
decisões não foram tomadas com base em princípios racionais e éticos? Lá está,
o negócio afunilado. (…)
Todos os
negócios deviam obedecer à antiquíssima ‘Regra de Ouro’: “Não faças aos outros
o que não gostavas que te fizessem a ti.”
(…)
HSC
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